‘’Vá Rita!’’- Disse para mim mesma. – ‘’Já chega de pensamentos! Vive cada momento que tudo se há-de resolver’’
E com isto levantei-me num salto, e saí do balneário. Tudo estava na mesma quando alcancei o chapéu azul, o Brown ainda deitado, o que me pareceu estranho, e os pombinhos ainda em lua-de-mel.
-O teu telemóvel tocou. – Disse-me o Rafa – Eu estive para atender, mas achei melhor não.
-Obrigada. – Disse sem olhar para ele. No visor do telemóvel deparei-me com 3 chamadas não atendidas… Do Jake. Voltei a colocá-lo na mala e dirigi-me para o mar, onde me concentrei nos mergulhos. O Brown ao ver-me no mar levantou-se, e manteve-se entretido a correr ora para o mar ora para a toalha, deixando a Mara furiosa, de cada vez que ele chegava perto das toalhas e a molhava. Fiquei lá ainda bastante tempo, quando comecei a ficar com fome. Saí da água, e dirigi-me ás toalhas onde já estava apenas o Ricardo.
-Estou cheia de fome, vamos comer qualquer coisa? – Perguntei-lhe. - O Rafa?
-Foi para o bar. Mas vamos, que eu também já comia.
Arrumámos as toalhas no saco, fechamos o chapéu e dirigimo-nos à esplanada do bar. Prendi a trela do Brown numa das cadeiras, para que não tivesse ideias de voltar para a praia.
-Eu vou lá dentro entregar o chapéu ao Rafael. – Disse ao meu irmão.
Entrei no bar que estava cheio, e esperei que o Rafa acabasse de atender uma mesa.
-Então? – Parou de andar quando me viu. – Eu fiz-te sinal a dizer que vinha embora, mas a menina sereia só dava atenção ao mar.
-Toma o chapéu. – Entreguei-lhe e preparava-me para sair.
-Hey, hey… Espera aí. – Disse, agarrando-me levemente no braço. – O que é que se passa?
-Nada. – Respondi-lhe.
-Nada não, tu estás estranha. O que é que foi?
-Não foi nada Rafael. Continua a trabalhar.
-Está bem, mas não penses que vais ficar assim. Falamos mais logo.
Fui ter com o meu irmão á esplanada e fizemos o nosso pedido à rapariga que trabalhava no bar com o Rafa.
-Já são quase sete horas, vamos embora? – Perguntei-lhe.
-Não posso ir com o Rafa mais logo?
-Não, o Rafa sai do bar ás tantas da noite, hoje vais comigo.
-Oh… - Cruzou os braços, aborrecido.
-Vai lá despedir-te dos teus amigos, depois vai ter comigo ao carro.
–Está bem.
Ele chegou ao carro depois de me deixar meia hora à seca e fomos para casa. Num instante se fez noite, e eu fiz o seu prato favorito para o jantar: esparguete à bolonhesa. Após o jantar os meus pais saíram, pelos vistos agora tinham por hábito dar uma caminhada no fresco da noite. O meu irmão foi para o seu quarto jogar no computador e eu fui para o meu, continuar a procurar emprego pela internet. Entretanto recebi um convite para uma videoconferência e acabei por ficar horas a falar com as meninas. Depois de todas falarem dos seus dias, contei-lhes o que se tinha passado com o Rafa, tal como já tinha feito com a Mariza. Elas reagiram da mesma forma, mostrando-se contentes, e ignorando o facto de eu ter cometido uma traição! Enfim… A verdade é que eu me sentia culpada e agora ao sentimento de culpa juntara-se os ciúmes que me corroíam cada vez que pensava no Rafael com a outra…
-Mas vá, conta lá os pormenores. – Disse a Diana entusiasmada.
-Diana! Deixa de ser perversa. – Disse a Tixa, rindo-se.
-Pormenores do quê? – Perguntei, apesar de saber a que pormenores ela se referia.
-Sexo! Daa. Afinal, vocês estiveram 6 anos sem se ver… E já não são dois adolescentes…
-Tu és tão parva! - Ri-me. - O que é que queres que eu diga?
-Se foi bom, o que é que sentiste, se mudou, se melhorou com o tempo, sei lá!
-Foi bom, claro… Foi maravilhoso. Digamos que o Rafa nunca teve problemas nessa área. – Respondi. – Mas não me apetece falar disso, só me faz sentir pior.
-Tens que ter calma, agora também não há muito a fazer. O que já está, já está. – Disse a Marisa.
-O que tu tens de fazer é pensares bem, nos teus sentimentos, naquilo que tu queres, e ignora tudo o resto. Porque se isto aconteceu, foi porque o Rafa ainda não saiu do teu coração. E se ainda não saiu como é que podes continuar com outra pessoa? Tens que perceber o que sentes, e não estejas a mentir a ti própria com medo de magoar alguém. – Disse a Tixa.
-Mas não sou só eu que estou comprometida… Vocês estão se a esquecer que ele está noivo. Eu não posso largar alguém que está comigo á dois anos e que sempre foi fantástico para mim, por outra pessoa que está prestes a casar-se.
-Eu não tenho qualquer dúvida de que se ele tiver que escolher, a sua escolha vais ser tu. – Disse a Di.
-Bem meninas, eu agora tenho de ir andando, amanha é dia de trabalho, e ainda por cima sou eu a levar a menina ao colégio. – Disse a Tixa.
-Sim, vamos todas, eu também tenho de ir levar o Brown á rua.
Despedimos-mos e de seguida fui ter com o Brown, que já estava á porta de casa desejoso de sair.
-Ricardo, vou lá abaixo. – Gritei.
-Está bem!
Desci e quando ia a sair do prédio cruzei-me com os meus pais que iam a entrar.
-Os senhores demoraram! Já caminharam tudo? – Perguntei.
-Já querida. A noite está boa para passear. – Respondeu a minha mãe.
-Só a tua mãe para me fazer andar isto tudo. Agora quero é a minha caminha.
-Podem deitar-se, eu ainda devo demorar que está-se bem na rua, em casa não se aguenta o calor e o Brown ainda não está muito habituado a estas temperaturas.
-Está bem filha, vê lá não fiques até muito tarde, a rua é calma mas nunca se sabe.
-Que exagerada mãe. Vá, vão lá.
Eles subiram e eu sentei-me no banco em frente ao prédio, enquanto o Brown corria pela relva. Estava uma linda noite de verão, e apesar de ser quase meia-noite, ainda se via muita gente na rua a passear, a andar de bicicleta, até os miúdos andavam a jogar á bola e á apanhada. Por acaso a coisa que eu mais gostava na minha rua era o facto de ser calma, sempre sem confusões, e não me lembro de alguma vez ter ouvido falar de assaltos ou qualquer tipo de marginalidade. Também era longe da estrada principal, por isso só passavam os carros das pessoas que por ali moravam. Estava eu ali a observar os miúdos, e a ter saudades dos tempos em que era igual a eles, quando alguém me tapou os olhos. Só não me assustei porque conhecia aquele toque e aquele cheiro a praia a milhas de distância.
-Rafa… - Disse calma e serena.
-O que é que me denunciou? – Perguntou, com um sorriso, sentando-se no banco ao meu lado.
-O facto de eu te conhecer há 23 anos.
-Pois! Esqueci-me desse detalhe. – Sorriu.
-Pois.
-Vais me dizer o que se passa, ou tenho de te arrancar?
-Não se passa nada.
-Vais ter que inventar outra, que essa não pega. Tu nem sequer olhas para mim.
-Não sou eu que tenho de olhar.
-Rita. – Com um leve toque no meu queixo, virou a minha cara, ficando frente a frente com a dele. – Não sejas parva, o que é que foi?
-Rafael eu não quero falar contigo, deixa-me estar sossegada.
-Não precisas de falar, podes dar-me beijinhos se preferires.
-Isso nunca mais vai acontecer. – Voltei a virar a cara.
-Como assim? O que é que queres dizer com isso? – Perguntou, desta vez sem o seu habitual sorriso.
-Quero dizer que tu nunca mais vais receber beijos meus. Tu tens uma noiva que te dá todos os beijos que precisares e outras coisas também.
-Já percebi. Tu estás assim por causa de hoje á tarde. Rita, o que é querias que eu fizesse? Que lhe contasse o que tinha acontecido? Que recusasse os beijos? Que acabasse tudo? Diz-me.
-Nada! Eu não queria que fizesses nada. Eu apenas caí na realidade. – Os meus nervos começavam a revelar-se, e as minhas mãos começavam a tremer.- Tu vais casar! Tu vais casar… Eu sou a outra no meio disto.
-Tu nunca foste nem nunca vais ser a outra. Ainda não percebeste isso? Por mais namoradas que eu tivesse, por mais coisas que acontecessem eras só tu.
-Era... Já não sou.
-Tu achas que eu planeei o que está a acontecer? Tu já fazias parte do meu passado, ou pelo menos era o que eu pensava, até te voltar a ver.
-E agora? – Perguntei.
-E agora o quê?
-O que é que vamos fazer?
-Panquecas.
-Hã? Rafa, estás doido?
-Não. Lembras-te daquelas panquecas que nós comíamos quando éramos pequenos, aquelas com chantilly e morango?
-Lembro.
-Eu adorava… E adorava tanto que aprendi a fazer. E ainda não te mostrei.
-Incrível a subtileza com que mudaste de assunto.
-E de que é que adianta estarmos a falar disto? Esta conversa não nos vai levar a lado nenhum. E porque não viver o momento?
-Referes-te a continuarmos a ser traidores sem vergonha?
-E porque é que tens de pensar assim? Pensa em nós, ignora os outros. Eu sinto a tua falta… - Aproximou-se devagar.
-Eu também sinto a tua falta. – Coloquei os braços á volta do seu pescoço e deixei-me levar num beijo apaixonado. - E desde quando é que sabes fazer panquecas? – Perguntei, rindo-me.
-Segredo de Estado. – Sorriu e voltou a beijar-me.
-Hmm… - Interrompi. – Eu tenho de ir.
-Não… - Envolveu os dois braços na minha cintura, levantou-me uns centímetros do chão e começou a beijar-me o pescoço.
-Sim! – Ri-me.
-Sabes que… - Lançou um olhar provocador. – As panquecas são mesmo muito boas.
-Ah sim? Uau. – Ri-me.
-Estou a falar a sério.
-Sim, não duvido. Mas eu tenho os meus pais em casa, se eu não aparecer vão ficar preocupados.
-Podes sempre sair pela janela.
-Sim claro! Os tempos de tartaruga ninja já passaram à história.
-Não me digas que já não és capaz de saltar?
-Sou. Mas quem te disse que eu quero passar a noite contigo? – Disse, rindo-me.
-Autch…! – Colocou a mão sobre o seu coração, e deu uns passos atrás. – Sendo assim, eu vou para a minha casinha.
-Isso mesmo. – Disse, caminhando com ele para a entrada do prédio.
Subimos as escadas em silêncio, e quando chegamos ao 2º andar, dirigi-me para a minha porta.
-Ah isto agora é assim? Não me vais dar nem um beijinho? – Perguntou-me.
-Não. – Respondi-lhe com ar provocador, e entrei em casa sem olhar para trás.
Fui deixar o Brown na cozinha, e ele depressa se deitou na sua manta. De seguida fui ao quarto dos meus pais dizer que me ia deitar, e assim que cheguei ao quarto tranquei a porta por dentro. Abri a cama para parecer que lá tinha dormido, e abri a janela para saltar. A verdade é que eu queria sim passar a noite com ele, mais do que qualquer outra coisa. Abri a janela do seu quarto devagar, e entrei sem fazer barulho. Ouvi os seus passos a entrar no quarto e escondi-me atrás dos cortinados. Consegui perceber que ele se estava a despir. Mandou as roupas para o chão, e entrou na casa de banho, completamente nu, ouvindo-se de seguida o som do chuveiro. Eu despi os calções e o top, e vesti uma t-shirt dele, desliguei a luz, e permaneci ao lado da porta da casa de banho, esperando que ele saísse.
-Mãos ao ar. – Disse eu, numa voz calma, quando ele saiu da casa de banho.
Ainda de costas para mim, pôs as mãos no ar, deixando cair a toalha que segurava.
-Satisfeita? – Perguntou, com ar de gozo ao virar-se para mim, nu.
-Digamos que não era essa a minha intenção. – Ri-me. – Podes tapar isso?
-Podes passar-me os boxers? Estão na primeira gaveta da comoda atras de ti. A não ser claro, que precises de mim assim.
-Tu és tao parvo! – Atirei-lhe com os boxers violentamente.
-E tu és bruta. – Vestiu os boxers e aproximou-se de mim. – Mudaste de ideias em relação a passares a noite comigo?
-Não, vim só aqui passear.
-Hmm... - Pousou as mãos no meu rabo ao mesmo tempo que cheirava o meu cabelo. Comecei a beijá-lo e ele pegou-me pela cintura, pousou-me em cima da comoda, ficando no meio das minhas pernas. Continuamos entre beijos e caricias até que tocou o seu telemóvel.
-Rafa, o telemóvel está a tocar. – Disse, entre beijos.
-Eu sei. – Continuou, ignorando o toque
-Pode ser importante.
-Não é. – Voltou a pegar-me ao colo e desta vez mandou-me para a cama, ficando a olhar para mim enquanto eu me despia. Mais uma vez fizemos amor duma forma intensa e apaixonada, e de seguida continuamos deitados na cama, a conversar.
Com a cabeça no seu peito, ia
passando as mãos pelo seu corpo moreno.
-Conta-me a historia das tuas tatuagens. – Pedi-lhe.
-E o que é que te faz pensar que existe uma história? – Sorriu.
-Oh, conta lá! Quantas tens ao todo?
-Sete.
-A sério? Eu pensava que eram menos. Mostra-me.
-Agora? Não me apetece.
-Mostra láá…!! – Pedi novamente.
-Eu tou cansado! Tu dás cabo de mim, sabias?
-Eu sei. – Beijei-o. – Mas mostra-me as tatuagens e eu prometo que te deixo dormir a seguir.
-Tá beem! Melga. Esta foi a primeira. – Mostrou-me o desenho de uma prancha de surf que tinha na lateral do pé. – É pequena, foi mais para experimentar.
-Que fixe, ainda nem tinha visto. – Sentei-me na cama. - E depois?
-Depois foi esta. – Mostrou-me uma cruz pequena que tinha no peito, um pouco abaixo do ombro esquerdo. – Foi quando o meu pai morreu, eu sabia que a tatuagem não o traria de volta, mas foi a maneira que eu arranjei para o homenagear.
Permaneci calada, apenas lhe dei um beijo no rosto.
-Esta foi a terceira, e é a maior. – Apontou para a tatuagem do Bob Marley que tinha no antebraço.
-Essa foi a primeira que eu vi, quando me deste a toalha naquele dia em que nos encontrámos no balneário.
-No dia mais feliz da tua vida. – Gozou.
-Não, no dia que tu reencontraste a tua razão de viver.
-Uii! Estamos inspiradas. E depois o convencido é aqui o priminho.
-Aprendi com o melhor. – Sorri e voltei a deitar a cabeça no seu peito.
Fez-se um momento de silêncio e ele estava já de olhos fechados, cheio de sono.
-Rafa?
-Hmm? – Respondeu ainda de olhos fechados.
-Diz-me que isto é real.
-Não me digas que voltaste a ter medo de fantasmas. – Ainda de olhos fechados, esboçou um sorriso trocista.
-Oh, tu sabes o que eu quero dizer.
-Eu sei. – Abriu os olhos e inclinou-se sobre mim. – O que eu sinto por ti é real, sempre foi, e vai ser sempre.
Depois de ouvir aquelas palavras da sua boca só me apetecia ficar ali para sempre. Desejei que o tempo não passasse para que eu pudesse ficar ali, agarradinha a ele até ganhar raízes.
-Não estás a dizer isso para eu finalmente te deixar dormir pois não? – Ri-me.
-Ups...Como é que descobriste? – Sorriu e beijou-me de seguida.
-Tu… és… tão anormal! - Disse-lhe entre beijos.
Escusado será dizer que ainda não foi desta que o deixei dormir…ihihih