sexta-feira, 6 de abril de 2012

E agora?

10:30

Entrei em minha casa e só estavam lá o Ricardo e o Brown, que veio a correr assim que ouviu a chave na porta.

-Então maluquinho. – Disse, á medida que lhe fazia festas no hall de entrada.

-Bom dia. – Disse ao meu irmão que estava deitado no sofá a ver programas de surf… Para variar.  

-Uhh. Que cara de felicidade é essa?!

-É a minha. – Respondi.

-O que é que se passou?

-Nada, deixa de ser cusco. Os pais?

-Estão no trabalho.

-Sabes se a mãe deu o comer ao Brown? – Perguntei.

-Acho que deu. Ele também não pára quieto enquanto não come.

-Isso já é costume. – Olhei para o Brown que não me largava desde que eu tinha entrado. - Eu hoje vou a algumas entrevistas de trabalho, queres vir com a mana?

-Que divertido… - Respondeu, aborrecido.

-Sempre é melhor do que ficares em casa sem fazer nada.

-E depois disso podemos ir á praia?

-Logo se vê. Surfista da banheira. – Despenteei-o.

-Olha aí! Fogo… - Reclamou por lhe ter estragado a popa.

Deixei-o na sala e dirige-me ao quarto. Caí na cama, suspirando que nem uma adolescente apaixonada. Porém, o suspiro rapidamente se transformou numa queda à realidade, quando me deparei com o enorme peluche que estava á minha frente. Tinha que falar com alguém antes que explodisse.

-Boom diaa! – Respondeu a Di ao meu telefonema.

-Eu sou a pior pessoa do mundo… - Disse-lhe, desesperada. – Eu sou uma traidora.

-Hãã? – Perguntou, rindo-se.

-Eu estou a falar a sério! – A sua risada contagiou-me. – Pára.

-Mas o que é que se passou?

-Eu traí o Jake, Di…

-Em pensamento? Não te preocupes, é normal, ele está longe, e…

-Não foi em pensamento!! – Interrompi-a.

-Oh meu deus. – Respondeu com voz de riso. - Ainda foi mais cedo do que eu pensava.

-Diana?!! – Disse indignada.

-Rita…Claro que não te falámos disso, mas acho que todos nós sabíamos que ia acontecer mais cedo ou mais tarde.

-Não brinques! Isto é sério… Eu sou uma má pessoa. – Disse, tentado falar a sério mas ela ainda se riu mais. – Pára de rir!

-Desculpa amor. Mas eu não posso dizer que estou triste, porque não estou. E tu não tens de te sentir assim…

-Tenho sim! Como é que eu vou olhar para o Jake a partir de hoje?

-Foi hoje? – Perguntou num tom brincalhão.

-Também. Di!!  O que é que eu faço agora?

-Então.. Agora só vocês podem saber. Se vão continuar a fingir que já não sentem nada um pelo outro ou se vão admitir que se amam. Eu estou para ver a cara da Mara!! Vou adorar.

-Ele está noivo… Oh meu deus… O que é que eu fui fazer…

-Rita! Pára de te culpar. Se eu bem conheço a peça tenho a certeza que a iniciativa não foi tua.

-Ai Di… Mas foi tão bom… - Desabafei.

-Estás a ver? Se estás feliz para quê estragar? Não penses no que vai acontecer. Pensa que já aconteceu, agora é andar para a frente.

-Tens razão… Eu pareço uma adolescente outra vez. Estás na clinica?

-Estou. Entro ao serviço daqui a 5 minutos.

-E como está a correr o estágio da senhora psicóloga desportiva?

-Bem… Dentro dos possíveis. Não é esta a minha área. Eu só estou aqui a estagiar porque nenhum clube me aceitou.

-Por enquanto. Tenho a certeza que vais conseguir entrar.

-Oh, vamos ver. Então e tu? Já viste alguma coisa dentro da tua área?

-Já estive a ver várias coisas, mas sabes que dentro das artes visuais não há grande coisa. De qualquer maneira hoje vou a umas entrevistas de empresas de publicidade, design, fotografia… Ver no que dá.

-Dentro das artes visuais tu especializaste-te em fotografia não foi?

-E em design gráfico, particularmente editorial. – Respondi.

-Eu disso não percebo nada, mas com as tuas notas de certeza que arranjas alguma coisa boa. Devias era mostrar os teus desenhos, escolhiam-te logo.

-Exagerada. Eu não tirei desenho, é só um passatempo.

-Olha, está na hora de eu entrar. Boa sorte com as entrevistas! Salta-lhes para a espinha! Depois diz-me como correu.

-Está bem parva. Beijinhos. Eu ligo-te mais logo.

Fui preparar o almoço, ao mesmo tempo que ouvia música e dançava ridiculamente mal. Depois de almoço fui-me vestir, e eu, o Ricardo e o Brown saímos com o carro do meu pai. Dirigi-me às empresas com quem tinha contactado pela net, fui apresentar o meu currículo e falar com quem tinha de falar. Enquanto eu entrava o Ricardo ficava cá fora, a passear o Brown e a rezar para que eu o levasse á praia depois da seca que estava a apanhar.

-Então? – Perguntou-me depois de eu sair da última empresa, uma empresa de design de uma revista de casamentos.

 
-Então, ficaram com o meu currículo, se estiverem interessados contactam-me.

-Ah… Boa…

-Vá pergunta lá.

-Já podemos ir á praia?

-Está beeem! Eu tenho as coisas na mala do carro.              

Entrámos no carro, e dirigi até á praia onde costumamos ir. Do parque de estacionamento já conseguia ver o Rafa, rodeado de miúdos, a dar aulas. Nem sequer estava perto e já começava toda a tremer

-Vamos ali ter com o Rafa, a minha prancha está guardada lá dentro. – Disse-me enquanto descíamos as escadas.

-Vai tu, eu vou ali beber uma água que estou cheia de sede.

Caminhei para o bar, fui buscar a água e sentei-me na esplanada, com o Brown desejoso de se enfiar no mar.

-Brown! Senta! – Mandei e ele assim o fez, embora contrariado.

Enquanto estava na esplanada, e mesmo de longe, não consegui deixar de olhar para o Rafael. Era mais forte que eu, e já não sabia o que fazer para controlar o meu olhar e pensamento. A verdade é que ele me tirava do sério, e por mais que eu tentasse evitar, a noite passada não me saía da cabeça.

-
RITAAA! – Ouvi e virei-me.

-Fogo, estás cá? – Era o meu irmão, já com a prancha debaixo do braço. - Já te chamei umas mil vezes.

-Desculpa, estava distraída. Que foi?

-Eu vou surfar. Vens ou ficas?

-Depende. Tens cuidado?

-Rita… - Disse com ar aborrecido como se eu estivesse a fazer uma pergunta ridícula.

-Pronto, pronto. Já sei, és um profissional. De qualquer maneira tem cuidado. Eu fico a ver-te daqui.

-Está bem chata. Até já.

Continuei ali, e desta vez permaneci a olhar para o mar, pois o meu irmãozinho que se achava muito grande não passava de uma criança. Obvio que eu digo isto porque ele não me ouve, porque se ouvisse já estava a barafustar.

-Deseja mais alguma coisa? – Ouvi alguém perguntar, por de trás de mim.

-Pode ser um sumo natural de laranja, com gelo. – Disse, e só depois me apercebi de que aquela voz me era demasiado familiar. – Rafa!

Sentou-se à minha frente e permanecemos a olhar um para o outro.

-Estavas a pensar em mim?

-Claro que não. Convencido.

-Não precisas de esconder, porque eu ainda não parei de pensar em ti. –Disse olhando me com uns olhos que quase me fizeram derreter.

-Rafa… -Disse quase que o travando. Mesmo que a minha vontade fosse de o agarrar ali, e esquecer-me do resto.  

-O Ricardo já está no mar? – Perguntou.

-Está, eu tenho estado a espreitar, não vá acontecer alguma coisa.

-Que exagerada. Sabes que o puto tem jeito, herdou aqui do primo.

-Lá está o convencido outra vez.

-Tu sabes que é verdade. – Deu-me um beijo no ombro. – Mas porque é que não vamos para a praia? Assim olhas por ele, e eu olho por ti. Que tal?

-Tu estás pior hoje ou é impressão minha? – Ri-me. – Não tens de trabalhar?

-Já não tenho mais nenhuma aula hoje, e o meu turno no bar só começa daqui a 2 horas.

-Vamos lá então. – Levantei-me e o Brown fez o mesmo.

-Este é que é o famoso Brown? – Perguntou, baixando-se para lhe dar festas. - Nem te tinha visto amigo.

-Ah é verdade, nesta praia são permitidos cães, certo?

-Sim, tens é de garantir que ele não deixa lembranças.

-Parvo. O meu cão é civilizado.

-Claro que sim. – Sorriu, com ar de gozo. – Fica aqui um bocadinho que eu vou ali á arrecadação buscar um chapéu.

-Está bem.

Voltou passado pouco tempo, e caminhámos pela areia. Escolhemos um local perto do mar, onde montámos o chapéu, e estendemos as toalhas. Eu sentei-me na toalha a por protector, enquanto o Rafa pôs-se brincar com o Brown, atirando-lhe a sua bola. Vendo que o Ricardo estava bem e que andava pela praia com os amigos surfistas, deitei-me na toalha de barriga para baixo, a apanhar sol.

-Queres vir dar um mergulho? – Perguntou-me o Rafa, ao chegar com o Brown que se deitou debaixo do chapéu.

-Vou mais logo. – Respondi quase a dormir, com a cabeça apoiada nos meus braços.

-De certeza?

-Siiim Rafa. Vai tu.

Ouvi-o a afastar-se e voltei a fechar os olhos.

-AAAAHH!!!! – Gritei, quando ele se deitou em cima das minhas costas aquecidas, completamente molhado. – RAFAAA! ESTÁS GELADO!

-Aquece-me. – Disse enroscando-se a mim.

-Tu estás doido?! Sai de cima de mim.

-Não.

-Rafa, a sério, olha lá se alguém vê. Sai de cima de mim. – Disse, empurrando-o para a sua toalha, por mais que gostasse de ter o seu corpo perto do meu.

Ele permaneceu na sua toalha, deitado, olhando para mim como se não me visse há anos. Tal olhar foi interrompido com o toque do seu telemóvel.

-Está lá? – Atendeu, com ar de gozo. – Sim. Não estou aqui na praia, já acabei a aula. Ah, estás aqui? Está bem, eu estou com os meus primos, com o chapéu-de-sol azul.

Depois de terminar a chamada fez um silêncio constrangedor, ao mesmo tempo que o seu ar de gozo se desvanecia.

-Era a Mara, ela vem ter connosco aqui. – Disse, ao deitar-se na toalha.

Permaneci calada, e fez-se mais uns minutos de silêncio até surgir um voz fina e irritante no ar.

-Boa tarde! – Disse, pousando o saco na areia, e sentando-se em cima dos abdominais do Rafael, beijando-o de seguida. Escusado será dizer que a minha presença era-lhe indiferente, e continuou concentrada em esmagar o seu noivo.

-Hmm. – Disse o Rafa entre beijos. - Não foste trabalhar hoje?

-Fui, mas não havia muito trabalho lá na empresa e pedi ao meu pai para vir ter com o meu noivo lindo.

-Depois admiras-te que ele não goste de mim.

-Oh, como se isso importasse, eu gosto, é o que interessa. E estava cheia de saudades tuas. – Começou mais uma rodada de beijos. – Tu não?

-Claro princesa.

Já não aguentava mais ficar ali, e levantei-me. ‘’Desculpem, vou só ali vomitar, já venho.’’ Pensei, mas acabei por conter os meus pensamentos.

-Eu vou à casa de banho, já volto. – Disse-lhes.

-Ok. Até já. – Disse a Mara, contente por me ver longe, nem que fosse por meros minutos.

O Rafa limitou-se a olhar para mim, sem proferir uma palavra.

Na casa de banho, molhei a cara, tentando resfriar a cabeça. Sentei-me no banco que lá havia, a pensar. Naqueles segundos a minha mente ficou apetrechada de memórias, passando à velocidade da luz. Relembrei os momentos que no passado vivi com o Rafa, os dois anos que passei ao lado do Jake, o modo como ele me fazia sentir bem, e agora o reencontro com aquele que sempre foi o grande amor da minha vida. Pensei também na raiva que sentia cada vez que o via com a namorada. Senti-me a pior pessoa do mundo. A verdade é que eu havia traído o Jake, que não merecia tal coisa. E agora? O que é que eu iria fazer? Era suposto eu estar á procura de uma casa, para viver uma vida feliz com o meu namorado que chegava dentro de dois meses, quando na verdade agia como uma adolescente, rendida à paixão por aquele surfista de meia tigela que não me saía da cabeça.