-Os meus armários estão vazios, está tudo nas malas. Mas tem calma.. Tu disseste que eles estão em tua casa á nossa espera, não é?
-Sim…
-Então vamos lá falar com eles e já sabemos.
-Eu estou com um mau pressentimento em relação a isto... Tu não viste as caras deles Rafa, e agora as malas…
-Ficas tão sexy quando estás nervosa. Sabias?
-A tua calma enerva-me! Eu tenho medo de te perder, não percebes?
-Eu não estou calmo amor… Achas que eu estou calmo quando acabo de ver as minhas malas feitas? Mas não me adianta de nada ficar assim, porque nós só vamos saber quando falarmos com eles. Mas para isso temos de ir.
-Desculpa… Eu só estou a piorar as coisas. Vamos.
-Espera. – Mete-se á minha frente. – Eu preciso de te dizer uma última coisa antes de irmos. É algo muito importante.
-O que é que se passa…? – Pergunto preocupada.
-Rita… Se eu nunca mais te vir… Fui eu que meti cola no banco da tua bicicleta nas férias de verão à 9 anos. – Faz uma pausa. - Uff, estou muito mais leve agora, podemos ir.
-Ai pá… Se tu não fosses palerma gostavas de ser o quê? – Dei-lhe um leve empurrão. - Eu a pensar que era a sério…
-Isto é sério! Eu não consigo dormir bem desde esse dia!
-Ai é…? Só para tua informação, eu sabia que tinhas sido tu. E já que estamos numa de confissões, eu arranquei a cabeça ao teu ‘’action man’’ para me vingar. Tens razão, também me sinto muito mais leve agora.
-Não acredito… Eu andei á porrada com um puto da escola por causa disso…!
-Chiiu… - Dei-lhe um beijo rápido.
Respirei fundo e abri a porta. Caminhámos até á sala, onde estavam os nossos pais sentados nos sofás.
-Alguém me pode explicar porque razão eu tenho as malas feitas e as minhas coisas empacotadas? Vão expulsar-me de casa?! – Pergunta o Rafa aos pais assim que entramos.
-Não é nada disso Rafael, senta-te, nós precisamos de ter uma conversa. – Responde o meu tio.
– Nós podíamos ter esta conversa apenas contigo, mas como somos uma família, esta decisão foi tomada por todos nós.
-E essa decisão é…? – Pergunta impaciente.
-Como vocês sabem, o Bruno depois de casar, vai viver com a Nádia para a quinta da família dela, no Minho, onde nós fomos passar o Natal. E tem me custado bastante aceitar o facto de não poder ver o meu primeiro neto crescer, e de estar longe do meu filho. Os pais da Nádia fizeram-nos uma proposta da última vez que lá estivemos, que era a de nos mudarmos para lá, uma vez que têm uma casa livre e precisam de ajuda a gerir a herdade. Nós pensámos melhor, e decidimos que vamos aceitar.
Fiquei perplexa com as palavras do meu tio, senti que estava no meio de um pesadelo, do qual só queria acordar. Olhei para o Rafa que pela primeira vez tinha perdido o seu ar descontraído e se encontrava extremamente enervado.
-E eu vou com vocês? – Pergunta, apesar de ambos sabermos qual iria ser a resposta.
-Filho, as tuas malas estão feitas porque tu vais com o teu irmão logo a seguir ao casamento. Nós ficamos aqui a tratar de todos os assuntos da casa e de todas as outras coisas que têm que ser tratadas, e mais tarde vamos ter convosco. Achámos que seria melhor assim. – Esclarece a minha tia.
-Melhor?! – Levanta-se. – Melhor para quem mãe?! Porque é que vocês se estão a preocupar em arranjar desculpas? Todos aqui sabemos a verdadeira razão de vocês estarem a fazer isto. E não me venham dizer que é por causa do meu irmão, ou do meu sobrinho que vai nascer, porque se fosse já tinham pensado nisto á muito tempo!
-Nós não podemos permitir que isto continue Rafael. É tempo de vocês se afastarem, conhecerem pessoas novas, e irão perceber que tudo isto passa com o tempo.
-Mãe, por favor… - Disse eu, com esperança de que a minha mãe estivesse do nosso lado.
-A tua tia tem razão Rita, vocês são muito novos, têm uma vida toda pela frente, e mais tarde vão perceber que foi melhor assim. Vocês são primos, foram criados como irmãos, isto não pode acontecer, e nós já vos tínhamos avisado todas aquelas vezes que vinham com histórias de namoro. É melhor assim antes que isto se torne mais sério.
-Isto é sério! – Insisti.
-Não! Não é! Isto é uma infantilidade. Vocês são maiores de idade daqui a nada, já têm idade para ter juízo. Andar a saltar de varanda em varanda, andar a entrar por janelas, e tudo isto a acontecer debaixo dos nossos olhos. Julgavam que nos iam fazer de parvos até quando? – Perante estas palavras do meu pai, senti que não havia nada a fazer ou a dizer para mudar a situação e impedir que aquilo acontecesse. Não era um pesadelo, aquilo estava realmente a acontecer e a minha única vontade era fugir para bem longe e nunca mais voltar.
-E as aulas? E os meus amigos? E o surf? Vocês vão me fazer deixar tudo e ir viver para meio do nada?!
-Eu amanha vou á tua escola pedir transferência, acabas o 12º ano lá, na escola onde anda a irmã da Nádia. Não é assim tão mau Rafael, nós vamos para um sítio lindo, para uma herdade cheia de vida e ar puro. Tu vais acabar por te habituar. A vida de campo é muito melhor do que a de cidade, vais ver.
-Mãe… Eu não vou deixar tudo o que me faz feliz e ir para uma terra que não é a minha! Eu faço 18 anos daqui a 3 semanas. Eu arranjo um part time, ou seja o que for, mas eu fico!
-Rafael…Eu estou doente. – Criou-se um silêncio constrangedor perante estas palavras do meu tio.
-Pai… Como assim? – Notou-se desespero na voz do Rafa, que parecia estar desorientado.
-Eu estou seriamente doente, e só quero aproveitar o tempo que me resta para estar com a minha família.
-Tio, mas doente, como? Assim, de um momento para o outro? O que é que tens? – Perguntei.
-Não é de um momento para o outro meninos. Nós temos andado em consultas, e em tratamentos, não quisemos dizer nada para não vos preocupar. Foi-lhe diagnosticado um tumor no estômago que já se encontra num estado muito avançado. O médico disse que se tivesse sido diagnosticado mais cedo, haveria hipóteses de se recorrer a uma gastrectomia e teria mais possibilidades de ter sucesso. Neste caso, mesmo com o tratamento as chances são poucas. Foi por isso que o Bruno decidiu casar mais cedo, e também é por isso que tomámos esta decisão. – A voz da minha tia tremia, e notava-se que estava a fazer uma força enorme para não chorar.
-Mas tio, ainda há possibilidades, se fizeres o tratamento. Não desistas assim, por favor.
-Eu não vou passar os meus últimos meses internado num hospital a fazer aqueles tratamentos horríveis que vão acabar por não resultar. E não há nada que possam dizer que me fará mudar de ideias.
O Rafa havia se sentado no sofá, encontrava-se a olhar para o chão, com as mãos a segurar a cabeça. Partia-me o coração vê-lo assim, daria qualquer coisa para que ele não sofresse como eu sabia que estava a sofrer.
-Eu tinha o direito de saber, não sou nenhuma criança. – Levanta-se e dirigi-se à porta.
-Onde é que vais? – Pergunta-lhe a minha tia.
-Preciso de apanhar ar. – Saiu.
Eu levantei-me e dirigi-me também á porta.
-Onde é que vais Ana Rita? – Perguntou-me o meu pai.
-Vocês sabem muito bem onde vou, não me obriguem a mentir.
Desci as escadas para ser mais rápida, mas não consegui alcançá-lo, pois já tinha saído com a mota. Corri até á praça de táxis que havia a alguns metros da minha rua, apanhei o primeiro da fila e mencionei como destino o lugar que eu suspeitava ser aquele em que se encontrava.
19:35 – Praia do Castelo.
Saí do táxi, olhei em redor e encontrei o que procurava. No meio da praia completamente deserta lá estava ele, sentado na areia, com os braços nos joelhos, e com o olhar fixado no mar revoltado. Caminhei lentamente na areia, e sentei-me a seu lado, sem dizer nada.
-Sou assim tão previsível? – Pergunta ainda fixado no mar.
-Não…Eu é que te conheço bem.
Finalmente desviou o seu olhar, e encarou-me.
-Rita… O meu pai… Eu não consigo escolher…Eu não…
-Shh… Não precisas de dizer nada, ambos sabemos o que vai acontecer. O teu pai precisa de ti, precisa que o apoies.
-Não havia necessidade de eu ir logo a seguir ao casamento, assim como não havia necessidade de irmos para lá. Eles estão a fazer isto por nossa causa… E depois de saber do meu pai, eu não consigo ficar contra eles…Eu não sei o que fazer.
-Sabes, sim. Tu vais ficar do lado dos teus pais, que vão precisar muito de ti. Vais ser feliz, e vais te lembrar de mim como a prima que passavas a vida a provocar e a pregar partidas.
-Não fales assim por favor… Isto não é uma despedida.
Começou a chover fortemente, e corremos até o toldo de um bar de praia que se encontrava fechado por estarmos no Inverno, mas que servia para nos abrigarmos da chuva. Sentámo-nos no chão, e mantivemo-nos abraçados em silêncio, a tentar não pensar em nada.
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