Pronunciar aquele nome estando á sua frente fez com que as imagens do nosso passado corressem pela minha cabeça e pelo meu coração. A verdade é que ele estava ali, aquele que em tempos tinha sido tudo para mim. O meu corpo não se moveu, enquanto ele se colocou á minha frente. Apenas o meu olhar conseguia manifestar-se. Enquanto eu tremia por todos os lados, ele mantinha-se com um ar descontraído, característico da sua personalidade. Observei cada traço do seu corpo, a tentar descobrir o meu Rafael naquele homem, sim, porque agora não era apenas um rapaz, mas sim um homem. Estava ainda mais alto, tinha o cabelo rapado, uma ligeira barba, a pele morena, e cerca de 5 tatuagens distribuídas pelo seu corpo bem cuidado. À medida que o observava um turbilhão de sentimentos tomava conta de mim. Começou por ser uma enorme saudade, vontade de o agarrar, beijá-lo, e não pensar em mais nada. Depois passou a ser um ódio tremendo por este se ter ido embora sem sequer se despedir, por todas as noites que chorei ao sentir a sua falta, por todas as mensagens, emails, cartas, que mandei sem obter resposta, e por, ainda me afectar desta maneira depois de todo este tempo. No entanto, apesar desta mistura de sentimentos, nenhum deles prevaleceu e o silêncio manteve-se enquanto os nossos olhares se cruzavam.
-Quando é que estavas a pensar dizer-me que voltaste?
-Ainda não tive oportunidade, só isso. – Tentava parecer normal, quando na verdade estava a tremer de nervosismo.
-Voltaste quando? – Sentou-se num dos bancos do balneário.
-Ontem.
-Estás em casa dos teus pais?
-Sim, pelo menos por enquanto. E tu?
-Também. Mas estou sozinho, a minha mãe não quis voltar, ficou no Norte com o meu irmão e o meu sobrinho.
-Deve estar enorme. Como é que se chama?
-Paulo. – Fez-se um momento de silêncio. Era o nome do meu tio, o pai do Rafa.
-O teu pai ia ficar muito contente. Ele chegou a conhecer o neto?
-Sim, ainda passou uns meses com ele. – Aquele assunto causava um ambiente pesado e um silêncio absoluto no balneário. O brilho natural dos seus olhos havia desaparecido e eu tentei mudar de assunto.
-Então e tu…? Tens uma escola de surf, um bar e… Estás noivo. Parabéns. – Disse-lhe sentando-me no banco á sua frente.
-E como é que sabes isso tudo? – Disse com um sorriso irónico.
-Nós temos os mesmos amigos, é normal eu já saber.
-Pois, eu sei. Então e tu? O teu namorado, quando é que vem?
-Como é que…?
-Nós temos a mesma família, é normal eu já saber. – Ambos soltámos um riso leve.
-Ele vem daqui a uns meses.
Ouvi passos e entrou um rapaz pequeno, provavelmente com os seus 8, 9 anos, que se dirigiu ao Rafa.
-Rafa, já acabámos o aquecimento. Vens?
-Espera um bocado piolho, eu vou já.
-Posso experimentar a tua prancha? – Pergunta o rapaz, entusiasmado.
-Com cuidado, ainda a magoas.
-Fixe!! – Saiu a correr, e voltámos a ficar a sós.
-Sempre tiveste imenso jeito para crianças. – Disse-lhe.
-Nã, isso pensas tu. Eu como crianças ao pequeno almoço.
-Sim, claro. – Ambos soltámos um sorriso.
-Bom… - Levantou-se. – Eu tenho de ir. Tu vais ficar por aqui?
-Sim, eu estou com o pessoal lá ao fundo.
-Então ainda nos vemos por aí…Até já.
Aproximou-se de mim e a respiração de ambos acelerou. Sem saber o que fazer, e meio atrapalhado deu-me um leve beijo na cara e saiu. Já estava fora do balneário e…
-Rafael! – Gritei.
-Sim? – Espreitou pela porta.
-A toalha…
-Ah, sim… Podes por nesta porta aqui da frente que diz ‘’privado’’? É que eu estou meio atrasado par…
-Para a aula. – Interrompi. – Vai lá, não te preocupes.
Sorriu e voltou a desaparecer. Saí do balneário e fui pôr a toalha na sala de arrumos onde havia entrado inicialmente. Quando saí dei uma olhadela para a aula de surf que estava a decorrer não muito longe dali, onde já estava o Rafa, a sorrir e a meter-se com os miúdos. Fiquei como que maravilhada com aquela imagem, apenas desviei o olhar quando ele percebeu que eu o fixava. Nesse momento virei-me rapidamente e caminhei pela areia na direcção da Di e dos outros. Estavam todos deitados nas respectivas toalhas, menos a Madalena, que estava a fazer bolinhos de areia com a ajuda do balde e da pá.
-Demoraste tanto tempo! O que é que se passou? – Perguntou a Di elevando a cabeça e apoiando-se nos cotovelos.
-O Rafa… Ele foi ter comigo ao balneário, nós estivemos um bocadinho a conversar.
-O…? A sério?! Como é que ele soube que estavas aqui? – Continuou a Di, curiosa.
-Oh, deve ter sido o meu querido irmão.
-Então e como é que correu? – Perguntou a Tixa.
-Correu bem. Nós também não tivemos muito tempo a falar, ele tinha que ir dar a aula.
-Pois… Mas já viste? Ele foi atrás de ti assim que soube que estavas cá. – Começou a Di.
-Sim, e daí? Eu sou prima dele, é normal. Não comeces Diana Maria!
-Já não está aqui quem falou. Mas temos muito que conversar minha menina.
-Está bem sua melga.
-Mamã, tenho fome! – Disse a Madalena aproximando-se da Tixa.
-Tens filha? Então, olha aí tantos bolinhos. – Disse o Rui apontando para os bolinhos de areia que ela tinha estado a fazer.
-Oh! – Gritou. – Aquilo não dá papá!
-Pois, eu também comia qualquer coisinha, e apesar daqueles bolos terem muito bom aspecto, acho que não vou experimentar. – Disse a Di.
-Já está quase na hora de almoço, vamos ali ao bar.
-Vamos ao bar do ‘’padinho’’?
-Sim. – Respondeu a Tixa à medida que se levantava e começava a arrumar as coisas.
-Boa!! – Disse a Maddie com um salto.
Arrumámos tudo nos sacos e fomos até ao bar da praia. Quando entrámos, escolhemos uma mesa e sentámo-nos. Fizemos o nosso pedido, e estávamos já a meio do almoço quando entra o Rafa no bar. Depois de ir ao balcão e à cozinha, dirige-se á nossa mesa.
-Então pessoal, está tudo bom?
-Bom?! Vinha uma barata no meu prato. – Diz o Rui.
-Oh, vai á merda tu! – Responde o Rafa a rir-se.
-Ah! – Vira-se a Madalena bastante indignada. – Disseste uma asneira ‘’padinho’’.
-Ele é assim, temos que lhe por pimenta na língua, não é? – Diz a Tixa à filha.
-Tens razão princesa, o padrinho vai já por pimenta na língua.
-Não vens almoçar connosco oh? – Pergunta-lhe a Diana.
-Já venho, estou só à espera da Mara, combinei almoçar com ela. – Olha para a porta do bar. – Olhem, por falar nela… Mara! Aqui. – Chamou, levantando o braço à rapariga que tinha acabado de entrar.
Levantei a cabeça pela primeira vez desde que ela entrou, e fiquei de boca aberta ao ver que…
-Oh meu Deus… - Disse, baixinho.
-O que é que foi? – Perguntou-me a Di que estava ao meu lado.
-A noiva do Rafa, é a miss arrogância.
-Hãn?! – Perguntou, confusa.
-É a rapariga que eu esbarrei hoje de manhã…Oh, esquece, eu depois explico.
-Estava mesmo agora a falar de ti. – Disse-lhe o Rafa quando ela se aproximou.
-Hmm… Estavas? Bem ou mal? – Perguntou, depois de lhe pregar um grande beijo na boca, momento este que eu preferi ficar com os olhos no meu prato.
- Mal, claro. Antes de nos sentarmos deixa-me apresentar-te a minha… - Olhou para mim. – A… A minha… Prima. Rita, é a Mara, Mara, é a Rita.
-Tu…?! – Disse quando finalmente olhou para mim.
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